As aldrabices em curso

Esta história da CGD é clarinha e cheira mal. Mas o mentiroso não é Centeno. Centeno foi ingénuo e desrespeitador do Estado de Direito, mas viu-se metido numa embrulhada para defender o líder.

Comecemos por elencar os factos evidentes:

1-Domingues colocou condições a Centeno para ocupar a Presidência da CGD. Entre essas condições estava a dispensa da entrega da declaração de património e rendimentos ao Tribunal Constitucional. Obviamente, Centeno aceitou. 
Aceitou mal, porque fez um acordo contra lei expressa.

2-A solução face à ilegalidade do acordo Centeno-Domingues foi...mudar a lei.
Este acto é uma violação gritante do Estado de Direito. Era aqui que o Presidente da República deveria interferir. Não se mudam leis a pedido. Na ditadura salazarista, conta-se que determinado ministro dizia que a lei estava na ponta da sua caneta. Saímos da ditadura, e a lei continua na ponta da caneta dos ministros? Ou pior, dos advogados de interesses privados? 

3- Quem mudou a lei era um ignorante jurista. Esqueceu-se que afinal havia outra...Mas alguém descobriu e estragou o "arranjinho" ilegal/legal de Centeno/Domingues.

O problema surgiu quando Marques Mendes anuncia a descoberta da segunda lei que mantém tudo na mesma. Costa apressa-se a "sacudir a água do capote" e Centeno enrola-se no capote. Ele tinha feito um acordo ilegal com Domingues; para o tornar legal, tinha mudado a lei, mas afinal havia outra lei e o acordo continua ilegal...é a "barraca" total.

A partir daí, Centeno, sem o apoio de Costa, enredou-se num conjunto de contradições e baralhações até deixar cair Domingues, que agora coloca tudo em "pratos limpos".

A fragilidade de Centeno começa quando para proteger Costa que afirma não existir qualquer acordo, vai na mesma linha, e não assume que havia um acordo negociado com Domingues para o isentar de entregar as declarações. A partir daí a verdade é sacrificada, tal como Domingues. E entramos na confusão presente.

Várias lições se tiram daqui. A primeira das quais é que os governos devem deixar de ter poder legislar. O velho princípio da separação de poderes de Montesquieu deve voltar a ter prevalência. A segunda é que a lei deve ser utilizada com parcimónia e os agentes do Estado devem interiorizar que têm o dever de respeitar a lei. A terceira é que o ensino do direito em Portugal anda muito mal, quando advogados conceituados colaboram numa "borrada" destas. A quarta lição é que a queda do BES ainda não chegou para as pessoas perceberem que têm que mudar os comportamentos na ligação entre a política e a finança.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

O fim do jornalismo português (4)

O porco com asas

Maria José Morgado. As coincidências no Expresso de 13 de Agosto.